Este artigo visa esclarecer os novos criadores do
emprego da bigamia e de como tal prática possibilita a obtenção de um bom nível
de qualidade nos plantéis com um custo mais viável.
É sempre bom alertar os interessados, entretanto, que
tal sistema não é o mais prático, pois manter um número menor de reprodutores
machos também significa despender maior tempo em manejo.
De um modo geral, o emprego de um macho para duas ou
até cinco fêmeas (como é utilizado na Itália por alguns criadores) possibilita
um investimento menor em aves de excelente qualidade, mas exige maior atenção e
cuidado da parte do criador. Já ouvimos de jovens criadores, aliás com é o
nosso caso, que o esquecimento de mudar um macho de gaiola num determinando
período do dia, gerou ovos brancos. Mas tudo isso é um risco previsto, pois a
bigamia exige maior dedicação por parte do seu criador. Para facilitar, quando
um leigo trabalha junto do plantel, sugerimos que se corte as penas do rabo do
macho em linha recta ou que se empregue anilhas plásticas da mesma cor para
cada grupo de fêmeas e para o macho que está a ser utilizado. No nosso caso,
preferimos o segundo sistema. Caso o tratador não saiba separar o macho das
fêmeas, o que não é raro acontecer, é aconselhável utilizar um anel de cor
único para todos os machos do plantel.
De um modo geral, a grande maioria dos criadores
emprega o método tradicional, mantendo o casal fixo durante todo o período de
cria. Muitos acreditam que os filhotes são melhor tratados quando a fêmea é
ajudada pelo macho.
Não acreditamos que isso seja uma verdade
indiscutível, já que muitos machos nem sequer se aproximam dos filhotes. Ao
contrário, costumam até atrapalhar, quando tendem galar a fêmea acabam
derrubando ovos ou esmagando filhotes. Outra alegação comum entre os defensores
do casal fixo é de que, quando o macho é retirado, certas fêmeas deixam de
tratar sua prole ou abandonam mesmo o ninho. Na bigamia, isso não ocorre, já
que o macho deve ser retirado definitivamente quando a fêmea deposito o quarto
ovo. Além disso, uma fêmea que não trata os filhotes ou abandona-os por
qualquer motivo, não está apta para a criação e deve ser descartada.
É interessante mesmo alertar para o facto de que os
criadores italianos não empregam forro fixo ou descartável, como fazemos, pois
acreditam na máxima de que uma fêmea que não tece o seu ninho com pedaços de
cordel, não será uma boa mãe. A experiência própria tem-nos demonstrado que
isso também é uma verdade.
Numa das nossas viagens pela Europa, no mês de
fevereiro, período de acasalamento na Itália, observamos que grande parte dos
criadores aplicam o método da bigamia. Em outubro de 1994, ouvimos vários
criadores italianos falarem do seu sistema de acasalamento. Mas como nem tudo o
que se ouve é aplicado da maneira que se fala, aproveitamos nosso para ver “in
loco” um pouco da grande experiência desses grandes criadores.
O mês de fevereiro na Europa, é ainda bastante frio, é
utilizado para a selecção final do plantel e para o acasalamento. Tivemos o
prazer de acompanhar ambos os processos.
Normalmente, são reservados dois machos muito
parecidos para um grupo de cinco fêmeas também bem semelhantes. Cada um deles
passa por todas elas, evitando-se que um falhe e ovos brancos já na primeira
rodada. Caso este falhe, recomeça-se com o outro na rodada seguinte.
Durante as nossas conversas com esses criadores
italianos, todos adeptos há muitos anos do emprego da bigamia, descobrimos que
o grande sucesso (média de ovos férteis bastante elevada), depende da
preparação e manutenção do macho, que é retirado da última fêmea antes de
anoitecer e descansa até a manhã seguinte numa pequena gaiola colocada sobre as
demais.
Antes de empregarmos dados retirados de pesquisas mais
recentes sobre a bigamia, é bom que discutamos determinados aspectos que
conduzem à reprodução das aves em cativeiro:
Na natureza, sabemos que as aves apresentam uma
tendência natural à monogamia, o que não significa que não existam infidelidade
nas relações entre um casal fixo (a média mais baixa de infidelidade é de 20%em
algumas espécies).
Existem estratégias adoptadas por machos e fêmeas para
atingir o objectivo do acasalamento extraconjugal. Ao contrário do que possa
parecer, as infidelidades aumentam o sucesso reprodutivos e garantem o aumento
de genes desejáveis de machos portadores de excelente material genético (só os
mais férteis e fortes atingem o objectivo da cópula e reprodução).
Mas não só aos machos interessa essas infidelidade, já
a natureza gera nas fêmeas o interesse de produzir filhotes melhores e mais
saudáveis.
Pesquisas recentes demonstram que o índice de
fertilidade nos machos aumenta quando se acasalam com outra fêmea que não a do
casal fixo.
De um modo geral, o macho de algumas espécies
(mandarins por exemplo) atinge entre 54% e 84% de fertilidade com uma fêmea
nova (o que nos parece um índice bastante desejável).
Na monogamia, a experiência própria demonstra que, com
raras excepções, esse índice fica entre 30% e 75%. A infidelidade e a bigamia
estimulam tantos machos como fêmeas.
Nos machos, o período entre o novo acasalamento e a
aceitação da fêmea não é de todo perdido, ao contrário, pois serve para
amadurecimento dos espermatozóides.
A quantidade de espermatozóides liberada nesses casos
é em torno de sete vezes maior, o que possibilita sua passagem peço canal
vaginal da fêmea com maior rapidez. O canal vaginal é um meio ácido, portanto
hostil aos gametas masculinos. Cabe lembrar ainda que a fecundação nas aves não
ocorre no momento da copulação, mas posteriormente. Os espermatozóides ficam
guardados no oviduto, sendo liberados aos poucos, já que uma fêmea só produz um
ovo por dia para ser fecundado.
Em artigo recente sobre uma pesquisa desenvolvida com
mandarins, foi provado que um macho que mantém relações com uma única fêmea,
tem seu estoque de espermatozóides e a velocidade destes reduzida pela metade.
“Mas, ao esperar que outras fêmeas cedessem às suas investidas, eles estariam
melhorando a qualidade de seus espermatozoides”.
Alguns conselhos tornam-se úteis àqueles que resolvam
utilizar a bigamia no próximo ano, já que a experiência mostrou-nos que devemos
levar em conta certos cuidados na preparação do plantel para o período de cria,
principalmente se a bigamia for empregada:
1) Individualização dos machos pelo menos dois meses
antes do acasalamento. É preferível que um não veja o outro;
2) Manutenção das fêmeas em cômodo separado para que
não ouçam o canto dos machos. Evita-se assim o estabelecimento de preferência;
3) Manter grades separando o casal durante pelo menos
15 dias;
4) Manter os casais sem que um veja o outro; e
5) Manter as gaiolas das fêmeas em sequência vertical
para facilitar o manejo.
É aconselhável ainda a introdução de novas aves no
plantel nos anos seguintes, para evitar-se a consanguinidade. Entretanto, é
desejável o emprego de pai e filhas, mãe e filho, quando geneticamente a
qualidade de ambos é indiscutível.
Um dos grandes méritos da bigamia, esse sistema
aparentemente trabalhoso é facilitar a formação de quartetos, já que os
filhotes originam-se de um mesmo pai e de fêmeas fisicamente semelhantes,
normalmente irmãs.
Sem dúvida o aproveitamento genético de machos de
grande qualidade é outra vantagem desejável por todos nós não é de hoje que
sabemos que um grande campeão não nasce por acaso, mas resulta de um bom
acasalamento entre canários de excelente qualidade. Não basta, entretanto,
acasalar dois campeões; mas sim utilizar o material genético de cada um de
maneira a obter qualidades, eliminando os possíveis defeitos.
Não são poucos os grandes criadores brasileiros
(Blasina, Beraldi, Celso Ramalho, Basile, Gracioli) e Italianos (Malavasi,
Bertoline, Manfredini, Dr. Bruno, entre outros) que empregam o sistema da
bigamia e que tivemos a oportunidade de visitar.
É bom lembrar que eles não são campeões à toa, ou
apenas porque empregam esse sistema, mas principalmente por aplicarem-se no
estudo genético da ornitologia e na observação diária de seu plantel. São
verdadeiros aficionados da Canaricultura, pessoas que buscam o prazer através
da perfeição obtida ao criarem um belíssimo exemplar.
Não é apenas orgulho que observamos em suas
fisionomias ao criarem um campeão, mas a felicidade de terem atingido um
objetivo que custou anos de trabalho e dedicação.
Quem participa dos campeonatos, sabe muito bem que a
ornitologia brasileira deixou de lado o amadorismo de algumas décadas atrás e
atingiu um degrau inesperado em período tão curto. Isso fez com que todos nós
investíssemos na qualidade do plantel para não ficarmos para trás.
Ninguém, pelo menos que eu saiba, cria actualmente
canários apenas para comercializar em lojas de aves.
Afinal, de que adiantaria comprarmos tantas matrizes
importadas para entregarmos filhotes de boa qualidade para leigos que desejam
um canarinho para cantar?
Nesse sentido, é preferível investir em pássaros de
primeira linha, obtendo resultados satisfatórios mais rapidamente.
Extraído da Revista da SPCO
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