24 de fev. de 2017

PONTO NEGRO OU PROVENTRICULITE EM CANÁRIO


 

Há alguns anos publiquei um artigo chamado “A proventriculite – O misterioso pontinho negro”. Na época pouco havia sobre o assunto nas revistas ornitológicas nacionais. Álvaro Blasina publicou, na mesma época, um artigo sobre o tema. A pedido de amigos do ABC Ornitológico retomo agora o mesmo tema, mas com um pouco mais de experiência, discussão e leitura.

Depois de tantos anos, ainda não foi descoberta a cura para esse al que aflige os grandes e pequenos criadores. Cada um tem um “jeitinho”, mas as causas reais mão tem sido combatidas adequadamente. Os veterinários brasileiros especializados em ornitologia agora conhecem a doença que mata tantos filhotes nos primeiros sete ou oito dias de vida, mas ainda não encontraram uma maneira de atacar a moléstia, porque também pouco se sabe sobre a bactéria que ataca adultos e filhotes.

Num ano que tantos criadores năo obtiveram resultados positivos, nada melhor do que retomar o assunto, por mais discutido que tenha sido até aqui.

A PROVENTRICULITE

A Proventriculite é uma inflamação do proventrículo causada por bactérias e que leva ŕ morte dos filhotes, normalmente, até o sétimo dia. Por este fato, os criadores na Itália costumam chama-la de “crise do sétimo dia”. O exame de filhotes mortos facilita a descoberta do mal: “No proventrículo cheio de alimentos no digerido, na mucosa interna do órgão, uma secreção esbranquiçada que normalmente se encontra contaminada por infecçőes secundárias bacterianas”, como observa o médico veterinário brasileiro Dr. Francis Magno Flosi.

A cor escurecida e inchada na altura do proventrículo resulta extramente do somatório da inflamação do proventrículo e do acumulo de alimentos não digeridos. Como os alimentos năo săo processados, o filhote fica inicialmente debilitado e, aos poucos, a fęmea deixa de alimenta-lo. A morte năo decorre propriamente da inflamaçăo do órgăo, mas das doenças oportunistas, como a coccidiose, salmonelose e a colibacilose.

A doença em si nem sempre apresenta sintomas exteriores nos adultos, o que năo significa que em caso agudo năo chegue a matar. Uma boa parte das aves adultas é, hoje, portadora do mal, principalmente as fęmeas, que transmitem a doença através da postura dos ovos ou ao alimentar os filhotes.

Em termos técnicos o “pontinho negro” nada mais é do que uma gastrite crônica micótica, também conhecida como micose 80, causada por uma megabactéria ainda pouco conhecida dos especialistas em aves e cuja cura está longe de ser descoberta. A origem da moléstia é causada pela microplasmose (Mycoplasma, bactéria grandenegativa), que diminui a resistęncia da ave e abre caminho para a entrada no organismo da micose 80. Esta doença foi descoberta inicialmente em papagaios criados em zoológicos dos EUA. Infelizmente, a importaçăo legal e ilegal de aves disseminou o mal por todos os países. Hoje, nenhum criador está livre dessa moléstia, mesmo que năo tenha aves importadas em seu plantel.


O QUE É PROVENTRÍCULO?

O proventrículo é um órgăo situado entre os dois lados do fígado e sua funçăo principal é produzir o suco gástrico necessário ŕ digestăo. Em outros termos, ele funciona como o regulador do pH necessário ŕ digestăo. O pH da ave deve ser baixo. A inflamaçăo do proventrículo causa o crescimento ou inchaço dos lados hepáticos e a conseqüente morte da ave por cauxa da hipofunçăo, a variaçăo do pH.

A presença de comida acumulada no papo dos filhotes é conseqüęncia da proventriculite. O filhote chega a amilemtar-se, mas năo consegue aproveitar os nutrientes do alimento e passa a sofrer de inaniçăo. Năo é incomum observarmos que filhotes nascidos no mesmo dia văo apresentando diferente crescimento até o quinto ou sexto dia. A lei natural leva a fęmea a alimentar primeiro os mais fortes e abandonar os mais fracos. Como a doença já está instalada no proventrículo, o filhote menor vai perdendo a capacidade de lutar pelo alimento e, logo, passa a apresentar mau cheiro causado pelos fungos que se desenvolvem no seu papo. A fęmea afasta-se do filhote doente para salvar o resto da prole, até abandona-lo definitivamente. As doenças oportunistas aceleram o processo de morte do filhote.

OS SINTOMAS DA PROVENTRICULITE

A proventriculite apresenta dificuldade para ser diagnosticada em adultos, porque em alguns casos necessita de biópsia. Além disso ela nem sempre apresenta sintomas exteriores e só chegando a ser diagnosticada durante o período de cria através da mortandade dos filhotes.

Nos adultos, há tręs estágios ou fases bem definidos: crônico, sub-agudo e agudo, como bem observa Luís Pires em seu artigo “A proventriculite”, publicado em 1998. No primeiro caso, a doença năo apresenta manifestaçőes exteriores e as aves sobrevivem e criam normalmente num primeiro momento, mas acabam espaçando as posturas até chegarem ŕ completa esterilidade. Nesse caso, as fęmeas săo portadoras e transmitem o mal a uma boa aparte da prole. A morte da ave adulta decorre das doenças oportunistas. Num primeiro estágio a ave perde peso e apresenta o famoso “facăo” (o peito fica delgado e agudo). Depois há o eriçamento das penas, a diarreia, a inflamação do abdomem; o surgimento de veias escuras no ventre; a dificuldade de respiração; e, finalmente a perda do movimento normal das pernas e o aparecimento de movimentos irregulares da cabeça.

Os sintomas são percebidos mais rapidamente nos dois estados seguintes – subaguda e aguda, porque todos os sintomas se manifestam logo no início da doença.

Normalmente, os criadores atribuem os problemas de mortandade de seus plantéis a outras doenças e tratam as conseqüęncias mas năo a raiz do problema. Tratamentos para coccidiose, salmonelose, colibacilose ou doenças respiratórias năo resolvem, e a moléstia continua a manifestar-se através da perda de aves adultas.

Em várias criaçőes tenho visto nos últimos anos aves com perda de movimento das pernas, aparente perda da visăo ou movimentos desordenados da cabeça serem tratadas com antibióticos que năo resolvem o mal. É bom lembrar que a proventriculite ataca o sistema nervoso central, saí as últimas conseqüęncias mencionadas. O correto é evitar a origem do mal.

TRATAR O FILHOTE RESOLVE O PROBLEMA?

No artigo que escrevi e mencionei anteriormente sugeri o tratamento dos filhotes afetados pela proventriculite com produtos como Micostatin e Clavulin misturados ŕ papinha. Entretanto, as várias experięncias e tentativas frustadas minhas, até quando mantive minha criaçăo de canários, e de outros criadores com quem mantenho contato permanente levaram ŕ constataçăo de que um filhote salvo nessas condiçőes acarreta problemas maiores do que benefícios.

Os filhotes salvos, depois de tanta energia e trabalho despendidos, năo costumam trazer qualquer vantagem. Normalmente, săo aves fracas, sujeitas a toda gama de doenças, adultos de plumagem ruim e que, no caso dos canários com fator, năo aproveitam bem a Cataxantina ou o Carophil red que absorvem.

Hoje questiono se vale a pena salvar um pássaro apenas para aumentar a média de criaçăo e depois anviá-lo, caso sobreviva, para as lojas de aves. Ou pior ainda, vender essa ave para outro criador.

Em todos os casos de filhotes doentes do meu plantel e cujos anéis tive a curiosidade de marcar até 2003, em nenhum caso obtive machos com bom aproveitamento de fertilidade e fęmeas que cuidassem normalmente dos filhotes, quando chegavam a botar e os ovos năo eram brancos. Cheguei a substituir machos que, hoje tenho certeza, eram férteis por acreditar naquela época que eram estéreis. As fęmeas é que apresentavam problemas para a postura e criaçăo. O índice de ovos brancos năo corresponde necessariamente a falhas do canário macho, porque há também ovos mal formados.

Atualmente, recomendo que se evite passar um filhote doente para outro ninho, porque essa atitude gera um mal ainda maior: a disseminaçăo da doença. Para salvar um filhote doente, colocamos em risco toda uma prole sadia e até a fęmea que năo estava contaminada pela doença. Hoje, eu optaria pelo descarte do filhote doente logo nos dois primeiros dias da descoberta da doença para năo contaminar o resto da ninhada e, por extensăo, todo o plantel.

POR QUE CUIDAR DE TODO PLANTEL?

O problema do “pontinho negro” é causado por infecçăo vertical, ou seja, a fęmea possui a enfermidade de forma crônica e transmite, através do ovo ou ao alimentar os filhotes, a moléstia para a prole. Portanto, se cuidarmos da fęmea afetada, evitaremos a proliferaçăo da doença. O mesmo cuidado deve ser tomado em relaçăo ao macho, se quisermos que ele tenha boa saúde e que haja diminuiçăo de ovos brancos.

O tratamento do plantel deve ser feito depois de consulta a um bom veterinário, de preferęncia aqueles que lidam há algum tempo com a doença, porque há tratamentos paliativos. O tratamento inicial deve ser curativo (alopático). Uma sugestăo é o uso de furoxona (NF-180), seguindo-se a recomendaçăo preventiva de2 ou 3 gramas por quilo de farinhada seca. Entretanto năo se encontra mais no mercado esse produto veterinário. O veterinário Fernando Antonio Bretăs Viana apresenta em seu estudo “Fundamentos de terapęutico veterinária” os seguintes produtos ŕ base de furoxona: Giarlan, Colestase, Mastilac e Furalidon-P. Os dois primeiros de uso humano. A soluçăo, caso năo se encontre o produto veterniário, é o uso de produto humano.

O emprego de Micostatin (Bristol Myers squibb S.A.) na proporçăo de 1 ml por litro de águra durante cinco dias também ainda tem dado resultado, como me informaram alguns criadores. O produto é um antifúngico usado para combater vários fungos, principalmente a candidíase (Cândida Albicans). Pode-se também empregar o Nisoral, na proporçăo de 500 mg por quilo de raçăo seca.

O tratamento com enrofloxacina (Baytril) é recomendável nos casos mais graves. O ideal é utilizar um grama por litro de água. Os comprimidos devem ser transformados em pó antes de serem misturados ŕ água. O clorofenicol (Quemicetina) só deve ser usado em casos extremos de resistęncia ŕ enrofloxacina. O grande perigo é que as bactérias ou vírus criem resistência a esses medicamentos. Por isso, nenhum tratamento deve ser interrompido antes de 7 ou 10 dias, com o risco de năo fazer mais efeito numa segunda tentativa.

O TRATAMENTO E OS CUIDADOS PREVENTIVOS

O tratamento profiláctico é, sem dúvida, o mais recomendado para se obter sucesso na criação de aves em cativeiro. O uso de probióticos tem trazido resultados satisfatórios para vários criadores. Entretanto, deve-se utilizar uma dosagem adequada, de preferência depois de consultar um veterinário especializado.

O uso de produtos ŕ base de metionina (Mercepton) durante pelo meno tręs dias seguidos ao męs na proporçăo de 2 ml por litro de água também ajuda a evitar que o trato gastrointestinal apresente condiçőes propícias para o desenvolvimento das moléstias. A metionina é um aminoácido que entra na formaçăo da proteína.

Suplementos minerais também ajudam como complemento e evitam a falta de cálcio. De preferęncia devem ser administrados através da areia, que deve estar sempre lavada e bem seca.

A melhor forma de evitar as doenças ainda é uma alimentaçăo saudável e balanceada. Para isso devemos adquirir uma boa mistura de sementes (variada, peneirada, isenta de poeira e fungos) e uma farinhada com boa porcentagem de proteína e boa qualidade (evite misturas caseiras com produtos adquiridos em supermercados ou próximos do vencimento). Os ovos devem ser frescos. A troca quinzenal da mistura de areia evita o acúmulo de detritos e dejetos das aves (fezes, restos de alimento azedo ou em decomposiçăo). As sementes, a farinhada e a “papinha” dos filhotes devem ser guardadas em local seco e bem acondicionados. Deve-se evitar que a farinhada feita pela manhă seja aproveitada no meio da tarde.

O ideal que o produto seja feito duas vezes ao dia. O mesmo deve ser observado em relaçăo ŕ “papinha” dos filhotes.

A limpeza do criadouro é outro ponto importante de profilaxia. O criadouro deve estar isento de poeira e fezes acumuladas no chăo ou em baldes. As gaiolas devem ser mantidas limpas, com grades trocadas semanalmente, e papéis tręs vezes na semana. O bom arejamento do local de criaçăo também é recomendável.

O QUE FAZER COM AS FĘMEAS COM PROVENTRICULITE?

Creio que o artigo foi claro ao explicar a forma de contaminaçăo da proventriculite. Portanto, a medida mais viável hoje em dia, tamanha a disseminaçăo da doença nos últimos dez anos, é retirar do plantel as aves portadores, cortando dessa forma o mal pela raiz. Dificilmente, uma ave acometida pela proventriculite, ainda que tratada a tempo, será capaz de resultar em bons filhotes para o criador. Normalmente, como afirmamos, o resultado é a esterilidade e a, conseqüente, decepçăo.

Uma boa recomendaçăo é anotar durante o período de cria os anéis das fęmeas cujos filhotes apareceram contaminados pelo “pontinho negro” e substituí-las no próximo período de cria. Esta será uma maneira de evitar um desastre no próximo período de cria.

Uma maneira de evitar a propagaçăo da moléstia é năo vender para outros criadores essas aves contaminadas, porque um dia poderemos comprar de volta a doença através de uma ave aparentemente saudável. O círculo vicioso da doença deve ser interrompido para que năo se continue a sofrer com essa calamidade que entra em nossos criadouros através de aves trazidas de fora, principalmente adultas, sem o cumprimento de uma quarentena. Năo devemos nos esquecer de que o mal pode ser evitado, se năo o espalharmos para outros aficionados da ornitologia.

José Luiz Amzalak
Revista ABC 2006

Nenhum comentário:

Postar um comentário